sábado, 26 de novembro de 2011

Liberdade Vegana

“Conheço muitas razões pelas quais eu morreria, mas não conheço nenhuma pela qual eu mataria” Gandhi.
Gandhi com essa frase mostra como sua determinação em mudar uma situação estava acima do próprio sofrimento.
Ele, como poucos, defendeu a desobediência como uma provocação para que injustiças fossem deflagradas.
E desobedecer significava correr riscos. Se ele fosse contra uma lei, poderia ser preso. E não queremos ser preso.
Ele tinha claro para si que havia feito uma escolha.

Nos sentimos sem saída quando vemos que a escolha pode resultar em algo contra nós, como a prisão, por exemplo.
Certamente que há situações em que não há saída. Mas certamente há situações em que há saída e dizemos não ter escolha.

E porque fazemos isso?
Talvez por muitas razões, mas pretendo comentar apenas uma: Porque uma das escolhas é dolorosa.
Muitos concordam que maltratar um animal é errado e matar um mais errado ainda. Mas não sentem nada ao saber que a carne que comem na janta foi conseguida a partir de um animal.
O primeiro ponto da liberdade é perceber que fazemos isso. Temos escolhas e omitimos aquela que nos é dolorosa. Desconsiderar uma opção dolorosa nos faz sentir “corretos”. “Qual o problema de comer animais?! Eu não tenho escolha!”.

Um ponto importante das escolhas “morais” como “não matar”, “não roubar” é que elas vem acompanhadas de um sentimento de paz interior. Diferentemente do sabor de um alimento que passa assim que comemos, a paz interior permanece como uma sensação inefável. A sensação ruim de ter matado para comer, estranhamente, habita o inconsciente. Inconsciente quer dizer entre muitas coisas, inacessível. É algo que podemos tentar encontrar pensando o dia inteiro e não encontraremos. Porém, no momento em que a pessoa abandona o hábito de comer animais, ela sente que algo mudou para melhor. Leveza. A peso marcado na balança não alterou um grama sequer, mas a consciência está voando leve no ar.

Quando essa sensação surge, significa que a pessoa encontrou na atitude de mudar a alimentação a ética e a moral. Longe do discurso vazio, que deixa de comer carne quando internamente a pessoa está sedenta dela, o encontro ético e moral abraça a paz e o bem estar.

A decisão é pessoal. E estará sempre por decidir a cada refeição por toda vida. A cada vez que cada um de nós pensar em comer algo, essa decisão pode ser alterada ou mantida. A escolha perambula entre os desejos e pensamentos, vagando sem rumo para qualquer lado. A menos que se decida, ela fluirá em qualquer sentido.

E quanto mais razões buscamos, para sim ou para não, escondemos dentro de nós um desejo inconfesso de que gostaríamos de não ter essa escolha. Gostaríamos que houvesse um argumento sem saída que colocasse todos nós em uma só opinião. E todos os argumentos e pensamentos poderiam causar, poderiam determinar, poderiam nos obrigar a ter uma única atitude.

Mas sempre lembremos: os pensamentos fluem em ambos os lados e foi tão somente a liberdade que escolheu uma entre duas possibilidades. O argumento não nos deixa sem saída. A escolha vegana esclarece que optamos pela ética e a moral acima dos nossos desejos. E a recompensa por essa escolha é a paz.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O Pequeno Aprendiz

    Começo, meio e fim... e repete... começo meio e fim...

    Vamos começar pelo começo. Quando acordamos e descobrimos que estamos vivos, bem no início, lá descobrimos que não sabemos onde tudo começa. Mas pela lógica, se está tudo acontecendo, é porque começou.

    Veja, se não abrirmos os olhos, não vemos. Se não vemos, não desejamos e se não há desejo, não há fim para algo que não começou.

    Esta é uma metáfora explícita de nossas vidas. Todos nós vivemos. Tão naturalmente como respirar, existimos. E tão certo como pensar em comer é que um dia acordaremos para nós mesmos. E acordar para nós mesmos é o momento de perceber que tudo começou do meio e não sabemos de onde viemos.

    Acordamos. É o início. E só de estar ali há então movimento. Descobrimos então o toque. Através do toque descobrimos a matéria. E a matéria nos ensina que tudo tem um limite. E também a partir do toque sentimos o carinho, a dor, o frio, o calor, a presença. São todas fontes de inícios.

    Ao descobrirmos calor, descobrimos sua ausência. E a lembrança do calor trás a saudade. Então revemos nosso ente perdido e percebemos que ele está em algum lugar. E ao sair deste lugar, assim como a lembrança do calor, sentimos saudades. E percebemos que os lugares voltam. Basta que persigamos este lugar... e este é o início do qual pensaremos agora... uma saga de começos, meios e fins...

    Acordei com um gosto ruim na boca. E uma saudades daquele toque saboroso de lábios que transforma esse deserto em paisagem. Entristeci-me. A ausência estava ali diante de mim. Era um vulto triste e frio que se apresentava. Tinha cabelos lisos e castanhos. O rosto perfeito. Nariz, olhos, boca. O corpo também perfeito. Pernas, cintura, peitos. A mente ideal. Inteligente, sagaz, irônica, romântica. Guardava gotas de prazer para dar-me após calafrios de decepção e tristeza.

    E perfeita em todos os níveis, surgia diante de mim aquelas saudades. Algo que ainda não tive, persigo. Persisto. Quero.

    Mas se isso era o início e aquele gosto da boca me trouxe essa delíciosa ausência, surge então o meio. A forma que procuro encontrar aquele beijo, aquela pessoa.

    Na realidade toda que vivi, essa que começa sem começo que chamamos de vida, nela sombra daquilo sequer vi. Apenas vultos que nas épocas de sorte duraram alguns anos, mas que em geral não transpassava sequer semanas.

    As tentativas de encontrar vão somando uma pilha de cadáveres. No início, quando não há nada, a vontade vem cavalgando. A emoção é incontrolável e verdadeira. Vem uma musa à cavalo. Ela me olha com desejo de longe. Eu retribuo. Ela diz: venha que te quero! E respondo: vou porque também te quero! E juntos copulamos por muitas vezes.

    E esse é o fim. O encontro perfeito. Eterno.

    Mas insistentemente, por alguma razão que ainda não compreendo, certo dia ela sobe em seu cavalo e pede à sua montaria que a leve. Leve como uma pequena pena que levanta do chão com o soprar das correntes do ar. Com suas razões tão visíveis nas folhas das árvores, porém impossíveis de serem pegas pelas mãos que inutilmente, cansativamente e repetitivamente as tem vazias ainda que com muita força aperte o pegar do vento vadio que voa livre.

    E anos depois, aquela monte de penas, todas aquelas cenas perfeitas maculadas pela ação do tempo anunciam que o fim ainda não chegou. E perseguimos.

    Receio que o tempo em que tudo começou lá no começo tenha em si a razão de todo esse meio o qual fomos todos colocados. E completado então seu desejo, seremos parte completa desse grande organismo.

    Mas difícil é saber se ele anseia por encontrarmos nós o nosso fim para que então descanse, ou se o próprio fim em si nos levará incompletos.

    Incompletos ou não, resta apenas o mistério. O erro em insistir em continuar. Em acreditar que o fim é o ser perfeito. E que não foram perfeitas aquelas noites de então. E busca eternamente em vão, num meio sem fim, a final razão, a última emoção.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Armadilha

Cresceu, estudou, trabalhou
ganhou seu salário
comprou seu carro
comprou sua casa
casou-se
pagou seus impostos
com o sucesso
pode comprar outro carro
viajou por todo o planeta
conta lindas histórias
opera em uma multinacional
comprou uma casa maior, uma casa grande
é orgulho dos amigos
esta em um patamar
que todos sonham em chegar
com muito suor adquiriu um avião particular
teve o sucesso que muitos sonham ter

Em um outro canto do mundo
Outra pessoa também cresceu
Não estudou
trabalhou também
diante de algum sofrimento seu
pode ver também outros sofrimentos
buscou ajudar
não comprou uma casa
levou uma vida simples
não foi considerado uma pessoa de sucesso
viu-se como uma minoria diante do mundo
e dessa maneira entendeu
que era preciso lutar
por qualquer minoria que seja
para que ninguém seja desmerecido
viu os portões dos prédios de grandes casas
das quais nunca entrou nem foi convidado
presenciou o mistério do mundo
o mistério da vida
de forma que em sua maturidade
era capaz de ver a beleza do amor
em todas as suas formas
e diante das torturas da realidade
entendeu que devemos procurar nossas verdades
e questionar o passado
e construir o futuro
receber com alegria a liberdade dos outros
por essas e muitas outras coisas
foi visto conversando com pessoas as quais não se fala
namorou com uma pessoa que não tem nada a oferecer
defendeu que o direito à vida
é uma decisão de cada pessoa
e não uma lei
defendeu que o mundo deve ser
deve ser governado pelo povo que aí está

e a cada passo que dava
aquele homem com sua grande casa
com seu bom salário
e sua bela esposa
aquele homem a qual todos ansiavam por estar em seu lugar
a cada passo que dava
aquela pessoa em sua grande mansão
crescia socialmente
de forma que seu pensamento
atraía grande público
que protegidos
protegiam-no

e ao ser denunciado em suas atitudes
o egoísmo, seu grande equívoco
eleito errado foi quem o delatou
o delatado então preso, castrado e banido
hoje em uma cela está
o que anos atrás seria uma cruz
e pergunta-se confuso, perdido
o que há de errado no que digo?

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Ela

Um dia desses qualquer acordei e fui fazer o café. A casa já não estava lá bem cuidada porque há tempos não recebia uma visita. Claro que sempre aparecia alguém querendo alguma coisa ou saber algo, mas para isso não valia investir meu tempo numa boa arrumada. Estava bem para mim e era o suficiente. Mas naquele dia algo diferente aconteceu. Peguei o café, coloquei água para fever, separei o filtro e aguardei a água esquentar. Coloquei o café no filtro e senti aquele aroma no ar. Fechei os olhos para sentir melhor e ao abrir, através da janela, vi... uma deusa do outro lado do vidro, ela era o melhor paladar, aquele calor do olhar que atrai para dentro de si, o toque do sabor pela língua que aquece enquanto desce pela garganta. Apenas a observava e saboreava. Decidi ir falar.

Abri a porta e quando olhei, nada. Um barulho no chão de carta. Fui ver era uma fatura para pagar no banco. Atrasada. - Droga, tenho que ir até a agência.

Fui ao banco e de pronto vejo uma fila enorme. Entrei. Não tinha escolha. No entanto, alguns segundos de espera e um amigo meu que trabalha nesta agência por acaso me encontrou e perguntou: é muita coisa que você tem que fazer? - Não, só uma conta atrasada – Vem aqui que eu resolvo isso então.
E enquanto ia atrás dele, vejo quem? Ela. Entrando na agência. Inacreditavelmente. Como pode? Seu caminhar abria espaços. Chamava a atenção de todos. Com um corpo escultural, beleza inigualável ela não precisava esperar. Era logo colocada para antes de todos os mortais que estavam a sua frente. - É só isso, cara você está bem? - Ahn? Eu? Ahh sim, estou bem sim... é que – Não precisa se explicar não, qualquer coisa é só me procurar !! - Obrigadão mesmo, valeu a ajuda!

Já meio sem entender, fui trabalhar como de costume. Voltando para casa, ligo a TV, as notícias de sempre. Sento-me confortavelmente e começo a adormecer. É como se me tivessem acariciando as costas, sinto suas mãos pelo meu corpo, suas unhas compridas. Sei que ela está aqui. Não sei como. Mas sei. Sinto. Estou em transe, perdido. Um silêncio de alguns segundos. Abro os olhos. Apenas a porta da sala aberta e mais nada.

Creio estar ficando louco e então decidi ficar sete dias em casa esperando ela voltar. E passo alerta, totalmente concentrado segundo a segundo. Cada centímetro do meu apartamento está sendo vigiado. Apareça quem for estarei pronto. Porém, sete dias se passaram e nada.

Cansado, agoniado, estressado decido então tomar um banho para relaxar. A água tem a temperatura agradável, escorre de cima a baixo e ela está novamente me vigiando. Eu sei. Sinto sua presença. Ela me encontra e toca em mim. Eu já não entendo mais, perdi completamente a razão, sei apenas que ela está ali. Seguro sua mão. E dessa vez pretendo pegá-la. E não vai mais fugir. Seguro firme. Abro o olhos e vejo! A porta... aberta... minhas mãos... vazias...

O que será isso? O que é que me persegue que não consigo ver? Que garras são essas? Que prazer é esse?

Isso aconteceu faz 10 anos. Ainda penso muito naqueles dias. Às vezes ainda sinto sua presença. E para não deixá-la sem nome, sem explicação, decidi então chamá-la de Felicidade.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Manual de como Encalhar

Você.
Primeiro quer só um beijo.
Até que um dia consegue.
Aí então acha o beijo algo estranho.
E então decide que precisa beijar mais alguém para ter certeza.
Pra saber se aquela coisa estranha é um beijo.
Ou se aquele beijo não foi um bom beijo.
No segundo beijo você percebe.
Que ele foi diferente do primeiro.
Então você conclui:
o primeiro foi mais “isso”
e o segundo mais “aquilo”
e pensa também
será que tem um mais “aquilo outro”?
E nessa hora você percebe.
Preciso de mais um beijo.
Ao terceiro beijo.
Você então descobre.
É, gostei mais do primeiro.
Aí você procura o primeiro beijo.
Mas aquele primeiro beijo.
Agora está namorando.
E isso significa que é hora de procurar
O quarto beijo.
E ele tem que ser igual o primeiro beijo.
E no quarto você percebe.
Que ele parecia mais com o segundo
E no quinto talvez lembrasse mais o terceiro
E o sexto?
Uma mistura de primeiro com segundo.
E o sétimo talvez.
Algo do sexto com o terceiro.
E a conta aumenta
E os anos passam
E a busca do primeiro
Aquele que você imaginou
Aquele que antes de beijar
Você pensava que era
Aquele lá
Nunca encontrou

Mas e a vida seria isso? Buscar a perfeição ou desistir?
Talvez.
Vai saber.
Ou não, né.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A certeza é um privilégio que não temos

Acordei como todos os dias pensando no trabalho e nas ligações que eu precisava fazer. Resolver alguns problemas. Estava escovando os dentes. Foi quando tocou o celular. Era uma pessoa em pânico. Não entendi nada, a voz estava trêmula e ela então disse: "Alô? Tem alguém aí?" - "Sim, o que que houve?" - "Acabou de estourar uma rebelião no presídio aí do lado, ligue a TV, tranque tudo que eles estão todos na rua"!!

Em pânico liguei a TV e nada... somente a voz ofegante no telefone... tremendo, tranquei toda a casa, fechei as janelas "Não tem nada na TV!"... e a voz respondeu "você tem certeza?"... eu disse "sim"... "primeiro de abril, seu besta! é o Fábio do escritório"... "porra cara, você me deixou em pânico"... "larga a mão de ser burro e olha o calendário"... xinguei ele até não poder mais... tempos depois me acalmei...

Fiquei então sentado na mesa, com aquilo na cabeça, remexendo o café por um longo tempo... até que me dei conta de uma coisa tão banal... eu havia sentido muito medo, mas muito medo mesmo... mas era mentira, não havia razão para ter medo. Eu não sabia que era mentira e vivi a mentira como se fosse verdade.

Parei assustado. Eu já pensei muitas vezes sobre a ilusão, mas desta vez me assustei. Fiquei num pânico maior que o anterior. Por alguma estranha razão imaginei que todo meu passado tivesse sido feito da mesma matéria que esta mentira que me foi contada. Pensei em tudo que vivi como verdade. Nas mentiras que contei e as pessoas que reagiram como eu reagi: acreditaram e se emocionaram com coisas que inventei. Assim como sabe-se lá quem mentiu para mim e eu acreditei e só hoje percebo isso.

Agora me torturo tentando saber o que de tudo que aconteceu foi verdade... e fica a dúvida...

Olhei para um copo de água na pia e pensei... "meu Deus, um perdido no deserto pode jurar que viu água quando na verdade esteve o tempo todo diante de alguma coisa no chão, um reflexo estranho que sei lá porque parece água, mas parece"

Então comecei a achar que tudo era ilusão e que todas minhas conclusões vinham da minha forma de ver... eu ouvi o desespero daquela pessoa ao telefone e eu sabia que ela estava certa... mas fui enganado... e posso estar sendo enganado agora nesse exato momento... mas por quem? por mim mesmo? pelos meus pensamentos? não sei... só sei que agora já não sei nem se aquele copo tem água... e não sei mais se a água é realmente água...

Mas e se tudo for ilusão? Quem criou isso? Eu? Deus? não sei... não consigo ver algo de concreto nisso tudo, acima de tudo porque se tudo é ilusão, como posso concluir alguma verdade de algo que nunca é de verdade?

E a verdade? essa que até 10 minutos atrás considerei verdade... ela continua aqui diante de mim. Real como sempre. O que dizer dessa realidade? Ela simplesmente me observa, calma. E eu vivo nela com toda a certeza que Deus me deu.

Quanto mais sinto a realidade, mais ela se mostra irreal, e quanto mais penso que a realidade é irreal, mais sinto que precisa haver algo de real na irrealidade. Precisa haver alguma verdade...

É certo que este copo está aqui... é certo porque estou sentindo... mas eu, naquele telefonema, senti aquela mentira como se fosse a verdade mais pura do mundo... maldita certeza que se foi... mas é certo então que isso tudo é irreal... mas como o irreal pode existir sem que haja uma realidade para o criar? droga de certeza que corrói...

Mas se tudo leva a dúvida, terei então que viver como? Preciso acreditar em algo...

Preciso ter fé em Deus... e como é difícil acreditar em algo que não se mostra...
Mas agora preciso ter fé também naquilo que vejo... este mundo que era tão verdadeiro acabo de perceber que preciso ter fé que ele existe... e ter fé que estou aqui... e ter fé que aquilo tudo era só uma brincadeira... e ter fé na ilusão... ter fé que a realidade se constrói com pó... e que a ilusão se constrói com o pó da realidade...

Talvez a certeza seja o único privilégio que não temos.

Alias, quem mexeu no meu calendário? 21 de janeiro? ahn?