segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Ela

Um dia desses qualquer acordei e fui fazer o café. A casa já não estava lá bem cuidada porque há tempos não recebia uma visita. Claro que sempre aparecia alguém querendo alguma coisa ou saber algo, mas para isso não valia investir meu tempo numa boa arrumada. Estava bem para mim e era o suficiente. Mas naquele dia algo diferente aconteceu. Peguei o café, coloquei água para fever, separei o filtro e aguardei a água esquentar. Coloquei o café no filtro e senti aquele aroma no ar. Fechei os olhos para sentir melhor e ao abrir, através da janela, vi... uma deusa do outro lado do vidro, ela era o melhor paladar, aquele calor do olhar que atrai para dentro de si, o toque do sabor pela língua que aquece enquanto desce pela garganta. Apenas a observava e saboreava. Decidi ir falar.

Abri a porta e quando olhei, nada. Um barulho no chão de carta. Fui ver era uma fatura para pagar no banco. Atrasada. - Droga, tenho que ir até a agência.

Fui ao banco e de pronto vejo uma fila enorme. Entrei. Não tinha escolha. No entanto, alguns segundos de espera e um amigo meu que trabalha nesta agência por acaso me encontrou e perguntou: é muita coisa que você tem que fazer? - Não, só uma conta atrasada – Vem aqui que eu resolvo isso então.
E enquanto ia atrás dele, vejo quem? Ela. Entrando na agência. Inacreditavelmente. Como pode? Seu caminhar abria espaços. Chamava a atenção de todos. Com um corpo escultural, beleza inigualável ela não precisava esperar. Era logo colocada para antes de todos os mortais que estavam a sua frente. - É só isso, cara você está bem? - Ahn? Eu? Ahh sim, estou bem sim... é que – Não precisa se explicar não, qualquer coisa é só me procurar !! - Obrigadão mesmo, valeu a ajuda!

Já meio sem entender, fui trabalhar como de costume. Voltando para casa, ligo a TV, as notícias de sempre. Sento-me confortavelmente e começo a adormecer. É como se me tivessem acariciando as costas, sinto suas mãos pelo meu corpo, suas unhas compridas. Sei que ela está aqui. Não sei como. Mas sei. Sinto. Estou em transe, perdido. Um silêncio de alguns segundos. Abro os olhos. Apenas a porta da sala aberta e mais nada.

Creio estar ficando louco e então decidi ficar sete dias em casa esperando ela voltar. E passo alerta, totalmente concentrado segundo a segundo. Cada centímetro do meu apartamento está sendo vigiado. Apareça quem for estarei pronto. Porém, sete dias se passaram e nada.

Cansado, agoniado, estressado decido então tomar um banho para relaxar. A água tem a temperatura agradável, escorre de cima a baixo e ela está novamente me vigiando. Eu sei. Sinto sua presença. Ela me encontra e toca em mim. Eu já não entendo mais, perdi completamente a razão, sei apenas que ela está ali. Seguro sua mão. E dessa vez pretendo pegá-la. E não vai mais fugir. Seguro firme. Abro o olhos e vejo! A porta... aberta... minhas mãos... vazias...

O que será isso? O que é que me persegue que não consigo ver? Que garras são essas? Que prazer é esse?

Isso aconteceu faz 10 anos. Ainda penso muito naqueles dias. Às vezes ainda sinto sua presença. E para não deixá-la sem nome, sem explicação, decidi então chamá-la de Felicidade.

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