segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Mecanismos a Dois

O homem chega em casa depois de ter saído com os amigos. Encontra a mulher esperando. Pelo olhar ele sabe que ela imagina que ele estava com outra e que irão brigar até que ele se explique. Então ele pensa em não dizer nada. Se ele disser “oi” a briga começará. Por outro lado, não falar nada fará com que ela entenda que ele não dá mais atenção à ela e então pensará mais ainda que ele tem outra. O jeito é falar “oi”, porém não mais que isso. Uma frase curta é melhor. Significa apenas um contato e não um diálogo. Ele está cansado e não quer um embate agora. Então ele se arrisca e diz “oi”.

Por dentro há uma torcida gigantesca implorando que ela só responda “oi” e não dê o inevitável ataque de ciúmes. É um “oi” diplomático, um pedido de paz. E são poucos os segundos de quem se esquiva dentro de si tentando calar o tempo e acreditar que a resposta será confortável e pacífica. Ela muito bem poderia dizer: “Ficou até tarde bebendo com os amigos, não é? Vem aqui que estou com saudades!!”, mas não. Ela nunca fez isso e creio não irá começar hoje.

Ela então começa a mover os lábios em camera lenta. O movimento vai se tornando palavras até que surge um som: “oi”.

Ótimo! Foi um excelente começo. A pausa após o “oi” foi recebida com aplausos de toda a torcida que comemora o primeir gol desta partida. “Aonde você estava?”. Pronto! A pergunta veio. E agora é como se em um segundo, aquele “um a zero” virasse um “três a um” pra ela!

É óbvio. Agora começa uma disputa pela razão. A briga clássica mundial. O homem típico, a mulher típica, a pergunta que há milhões de anos soa em toda e qualquer relação. A saída? A forma também clássica: omissão!

Há muitas formas de se dizer que se chegou tarde porque saiu com os amigos. Porém umas pioram as coisas, outras simplificam. Neste caso buscamos paz. Então evitaremos a palavra “cerveja”. Dizer “cerveja” será como atirar uma bomba atômica na bandeira branca, fazer as malas e partir. Cerveja significa que ele estava se divertindo, rindo alto, falando de mulher e comentando com os amigos da vagabunda que ele está “comendo”. Não! Esta palavra não pode ser dita. Ela precisa imaginar uma cena inócua. Ela tem que pensar que não era um bar e sim uma igreja. E não eram amigos, mas um encontro de padres. Padres discutindo sobre a bondade, o amor, qualquer tema puro e limpo enquanto fazem um bolo de chocolate. Citar nomes dos amigos? Nem pensar! Ela não conhece a metade e os que conhece não dá um real de confiança.

Talvez fosse hora de mentir. Porém mentir o fará sentir culpado e a culpa para quem não está acostumado a mentir persegue os sonhos e os momentos de solidão. A mentira é só para casos extremos. Uma saída suicida para o desafio da vida. Omissão. Essa sim! A forma honesta de não dizer onde estava. Mantém o homem íntegro, a família unida, garante a paz e com sorte uma transa antes de dormir.

Ele diz:”Fiquei um pouco mais pois precisávamos tratar mais alguns assuntos”. E claro, ela não ia cair nessa, então não custa nada virar o jogo e mudar de assunto. Nada de perguntas pessoais que a faça se lembrar o tempo que permaneceu ali parada esperando. Pelo contrário. Algo que atrapalhe a obsessão dela em crer que há outra mulher. Esboçar carinho é interessante porém sente-se cansado e se oferecer, terá que dar. Mas o clima da rua, o trânsito tensionam seu corpo e o melhor remédio era um grande ofurô com águas quentes e sua gata dizendo: “Vem aqui comigo, joga suas coisas em qualquer lugar que vou te fazer uma massagem”. Mas não. Isso não vai acontecer. O assunto precisa mudar.

Béeeeeé, béeeeeé, béeeeeeé... Subitamente dispara o alarme da casa. Ele nem pensa em bandido. Passa na frente dela, aquele som alto, os dois se destraem enquanto aquilo não pára. Ele aperta mil senhas erradas propositalmente. Deixa o assunto morrer. Olha pra ela como quem está se esforçando ao máximo. Ela com os dedo no ouvido. “Pronto”. Ele olha pra ela. Sem jeito diz que vai mandar consertar o alarme trocando de vez a pauta central para uma nota de rodapé. Foi a melhor coisa. Ao passar diante dela... era como se tivesse ultrapassado a barreira que os separava. E o pensamento agora já se misturou com o sentimento daquele som alto ensurdecedor.

Ele agora vê uma gata desprotegida. Sorri para ela. Ela sutilmente retribui. Ele chega perto, passa a mão pela cintura, olha nos olhos, beija e ao pé do ouvido diz num tom profundo e intenso: Eu te amo.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Liberdade Moderna

Vou falar agora sobre pequenos fatos que fazem do Brasil um país não democrático e mais que isso, escravista.

Primeiro de tudo gostaria de advertí-los para uma diferença do "estar livre apenas das correntes" e o "estar livre de fato". Algumas vezes simplesmente por não termos mais correntes amarradas ao corpo, por não sermos Índios ou Negros como eram os típicos escravos da colônia, não nos sentimos escravos. Porém certas situações nos fazem escravos sem amarras.

Um exemplo histórico, acontecido em vários lugares do globo e não só aqui, foi o fato de muitos imigrantes que vieram ao Brasil, tornaram-se escravos por dívida.

É uma situação simples de explicar, você põe uma arma na cabeça de uma pessoa e pergunta se ela quer viver. Simples porém horrível.

Para você escravizar alguém por dívida, a arma é: emprestar dinheiro da qual a pessoa jamais será capaz de pagar. E não é só isso. Você também precisa criar nela a esperança de que irá conseguir pagar. Aí você é questionado: então, você vai pagar o que me deve ou prefere ser preso? Fica entre o "ruim" e o "pior ainda"!

Para isso você se aproxima da ingenuidade da pessoa somado à alguma situação que a deixe sem saída. No caso daquela época, muitos estavam vivendo na Europa em péssimas condições e viam no Novo Mundo, vulgo Américas, uma saída para seus problemas. Eram muitas promessas de uma vida nova, uma forma de apagar o passado sujo de alguns, entre outras coisas. Então faziam um acordo no qual pagariam a viagem trabalhando quando chegassem em terra.

Chegando aqui, logo descobriram que foram ingênuos e que não estavam no paraíso, e mais, nada havia mudado. Continuavam sem autoridade pelas próprias vidas numa situação de uma dívida que nunca se acabaria e seriam eternos devedores. Por mais que travalhassem, o ganho nunca seria capaz de pagar o que deviam, tornando-se escravos por dívida.

Há um detalhe. Devedores políticamente corretos. Escravos assegurados pela lei, pelo acordo feito entre ambos.

É importante lembrar que há leis injustas. Leis que não observam o ser humano como ser pensante, com direito à vida.Ambos buscavam vantagem no acordo. Porém o acordo no decorrer da realidade, demonstrou que só um teria vantagens. E uma vez que esta lei beneficia um lado, este se negará aos efeitos negativos causados aos outros. Ou melhor, o legislador não vê maldade em si porque entende que o “escravo por dívida” ESCOLHEU aquilo. Não há revisão de contrato.

Este escolher não passa de um truque que engana os nossos sentidos e nos livra da CULPA que deveriamos sentir por colocar nossos iguais em situações de desigualdade.

Dito isto, quero falar agora que este raciocínio continua em voga.

Dizem que vivemos numa Democracia, em uma República, que a lei emana do POVO! Porém estamos cercados de idéias de escravidão.

O Povo, é verdade, VOTA, Ele pode escolher. Mas é OBRIGADO a escolher. O voto é obrigatório. Veja a contradição inerente deste ato. Por um lado ele te dá liberdade. Por outro, paradoxalmente, te obriga a ser livre. Um pássaro obrigado à voar não é um pássaro livre.

Nós pagamos IMPOSTOS. Somos livres para pagar algo que nós é IMPOSTO! Creio novamente vivermos um paradoxo. Se você é imposto não é livre.

Mas agora o que eu quero que fique claro, mas muito claro, é o SENTIMENTO que temos, o sentimento que nos faz sentir que fomos obrigados a fazer algo. Que não basta mudar a PALAVRA para resolver isso. Não basta mudar de IMPOSTO para TAXA.

O importante de se observar é que nos sentimos roubados ao pagar os IMPOSTOS. Este sentimento de ser ROUBADO é a prova real de que somos apenas escravos. Porque pagamos por um governo e percebemos que se não tivessemos pago nada teríamos dinheiro para o hospital que não vemos quando esse dinheiro é empregado em impostos.

Pagamos através do imposto para termos hospitais gratuitos os quais não vamos e em consequência pagamos de novo quando vamos à um médico particular para suprir à falta do primeiro. Esse duplo pagamento está em toda nossa vida. Pagamos através do imposto pela escola pública a qual não utilizamos e pagamos em dobro para ver nossos filhos em colégios particulares, longe do ensino negligenciado das escolas públicas atuais.

Somos ingênuos. Pagamos tudo em dobro. Quando não o TRIPLO!

Você paga através do imposto pela polícia do governo e tira do seu bolso o segurança particular da sua rua e pelos alarmes dos carros e casas. Ahhh, e em quarto lugar, pelo SEGURO do carro e da casa. Veja só, tudo isso que você paga em quatro contas diferentes são a evidência de que nosso sistema anda mal. Se há violência é porque há maus tratos. O homem mal tratado se rebela. E isso significa rebelar-se contra nós mesmos.

E a consequência final desta liberdade moderna?

Ao longo da vida, conversando com as pessoas, vi que o pobre brasileiro vive numa contradição. Ele trabalha muitas horas do dia. Para crescer na vida sabe que precisa estudar. Para estudar precisa de dinheiro. O dinheiro do trabalho é todo voltado para as contas e necessidades básicas de alegria comuns à todos nós humanos, em geral resumidos em churrasco, passeios ao shopping e televisão, que são formas econômicas de fingir que se está vivendo quando na realidade se está parado observando o mundo. Afinal, olhar a TV e o Shopping não gasta dinheiro. Nem sexo. Prazeres econômicos são o lazer o povo. E para conseguir enfim o dinheiro dos estudos, ele trabalha mais, quando consegue. E quanto mais trabalha, mais fica sem tempo e então não pode estudar. Mas o fato é que na maioria das vezes, sequer consegue dinheiro para uma universidade. O típico brasileiro de classe popular hoje pagaria numa universidade algo proporcional à renda de toda uma família.

E são dentro de paradoxo como esse que fazem o brasileiro ESCOLHER não estudar. A palavra escolha nos dias atuais são a maior ESCRAVIDÃO jamais vivida.
Através da escolha que dizemos “dar” aos outros conseguimos enganar a nós mesmos que não os estamos manipulando.

O indivíduo sem educação é como uma criança pequena. Ela tem todas as capacidades para trabalhar, mãos, pernas, inteligência, raciocínio, mas ela ainda é só uma criança. É imatura, despreparada. Está sendo preparada. Ninguém é idiota de dizer que o bebê escolhe mamar ao invés de trabalhar.

E enquanto criarmos uma sociedade imatura, estamos criando uma sociedade de escravidão.

Uma escravidão que se constrói em leis paradoxais, em indivíduos fragilizados por sua condição existencial e com o aval da justiça, que bate seu martelo condenando inocentes com a grande mentira que é a preciosa, desejada e sonhada ESCOLHA! Mas a escolha verdadeira, sem manipulação! É esta que imploro que façam para que aconteça! E lutemos para vê-la acontecer!!

É isso!

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Pensamento Morto

Pesado como a morte física
Sufocante como a morte da alma
Bruto como a morte do espírito

o Pensamento Morto

O pensamento morre quando estamos com a razão, quando sabemos a verdade, e todos são contrários a nós

Quando vimos tudo o que aconteceu, dizemos toda a verdade, e alguém sarcásticamente ri, conta tudo ao contrário e leva a razão

E ele se dilacera por inteiro, quando você olha a realidade e já não conta mais com ela, porque sabe que não são objetos e fatos que a compõe, mas palavras, discursos, dinheiro, poder, interesses

Você sabe que se atropelar um pobre terá uma consequência diferente de atropelar um rico

Simplesmente sabe... você sente isso... você teme isso...

Você sabe que a justiça funciona de forma desigual

Você evita contar com ela diariamente

Você evita problemas porque sabe que é melhor não os ter que resolvê-los

E sabe que é possível estar diante de um juiz, ter toda a razão, e ainda assim ser condenado

Você se sente fraco... suas pernas vão amolecer... você verá a imagem dos fatos acontecendo em sua mente... sua cabeça olhará para todos os lados sem saber onde se agarrar... e fechará os olhos com força como se isso fizesse aquela verdade pular para fora de si...

Mas ela não pula

Seu pensamento morreu

E uma pessoa com medo evita viver

E não tem coragem de discordar

E trabalha todos os dias evitando olhar para os lados

E pensa dia após dia em chegar em casa e esquecer o mundo por um instante

E toma todas as atitudes possíveis para esquecê-lo

Um remédio para dor de cabeça, uma viagem, um cigarro, um porre, um vício qualquer... vulgo "sair pra se divertir"

Mas você sabe que foge, você sabe que não são remédios, é medo

Medo da razão que te tiraram e você fingiu que esqueceu

Ficou apenas o corpo se movendo para onde o mandam

Dizendo em voz alta que vai para onde quer

Mas sabe, a dor no peito deflagra... você não vai

E uma nação de pensamentos mortos é uma nação morta

Estamos mortos?

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Esperança

Eu queria ter encontrado alguém
que tivesse largado tudo para batalhar pelos próprios sonhos
com o brilho nos olhos despertos pelo desejo sincero

e muitos disseram que viriam
e brindaram os novos planos
e quando descobriram que isso lhes tiraria o conforto
desligaram permanentemente a luz do olhar e não vieram

E também encontrei muita gente que vê a desigualdade do mundo
e que sabe como é infeliz passar de carro diante da pobreza
e sentir-se culpado por não poder fazer nada
ou no geral já nem sentir mais nada

muitos quiseram lutar contra isso
e levataram-se da mesa com o pulso firme pronto para a luta
e quando descobriram que isso lhes tiraria alguns privilégios
sentaram-se a pensar mais um pouco

E houve quem junto comigo reclamou do ensino
do monte de coisas que precisamos aprender e não nos ensinam
e de tantas outras inúteis que nos são passadas como as mais relevantes

E como sempre todos estavam motivados
com o corpo sedento de aprender a verdade
e descobrir a força do conhecimento de um mundo inteligente
até que na hora em que viram as pilhas de livros, entediaram-se

e quando afogados pelo trânsito
e quando sufocados por modelos de estética inatingíveis
e quando buscando algo que nunca encontram

estes também bradaram lutar pela própria vida, felicidade e pela liberdade
porque “desse jeito não dá para viver”
mas logo viram que alguém prometeu mudar tudo isso
sem a gente precisar mudar nada em nós mesmos
e decidiram esperar...

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Sapiens

Minha inteligência foi metralhada
estupidamente abalada
e já nem me lembro mais
aquelas palavras tortas
nem das linhas fatigadas

e o sentido ficou reto
consumível
linear
conexo
simples
e
patético

fiz-me entender
facilitei para não morrer
mas morri por me perder
e em estilo vulgar
em prosa inútil
e versos sem amor
advirto

não faça mais perder meu tempo contigo
esqueça que existo
esqueça como esqueceu teus livros
passe reto
não olhe nem pergunte
não ria de mim pois será ignorado
e ainda que eu morra sozinho
e nem que por tudo isso precise viver enclausurado
e com a mais sutil leveza de tudo que é relativo
creio do fundo do coração
estou certo e tu errado